sábado, 9 de maio de 2015

INCONSTITUCIONALIDADE DE UM ACTO ADMINISTRATIVO

Os agentes da PSP estão subordinados à Lei 7/90, de 20 de Janeiro, que instituiu o Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública.
O seu artigo 38 tem o seguinte normativo:
“Artigo 38. Efeitos da pronúncia. 1 - O despacho de pronúncia ou equivalente com trânsito em julgado em processo penal por infração a que corresponda pena de prisão superior a três anos determina a suspensão de funções e a perda de um sexto do vencimento base até à decisão final absolutória, ainda que não transitada em julgado, ou até à decisão final condenatória. 2 - Independentemente da forma do processo e da moldura da pena prevista, o disposto no número anterior é aplicável no caso de crimes contra o Estado. 3 - Dentro de 24 horas após o trânsito em julgado do despacho de pronúncia ou equivalente, a secretaria do tribunal por onde correr o processo deve entregar, por termo nos autos, certidão daquele ao Ministério Público, a fim de ser remetida de imediato ao Comando-Geral da Polícia de Segurança Pública. 4 - Os magistrados judiciais e do Ministério Público devem velar pelo cumprimento do preceituado no número anterior. 5 - A perda de um sexto do vencimento base será reparada no caso de absolvição ou amnistia concedida antes da condenação, sem prejuízo do eventual procedimento disciplinar.”
O que aqui se irá discutir é no nº1 do deste artigo, pois o mesmo decreta que, depois de um despacho de pronúncia, deliberado por um Juiz de Instrução ou equivalente, com transito em julgado, em processo penal por infração a que corresponda pena de prisão superior a três anos, o agente perderá, automaticamente, um sexto do vencimento e será suspenso de funções, até decisão final absolutória ou condenatória, ainda que não transitada em julgado.
Ora a meu ver esta norma está ferida de diversas ilegalidades, nomeadamente:
1 -  O processo disciplinar e o processo crime são autónomos, correndo os seus tramites de forma diferentes. Logo o processo disciplinar não tem que ficar sujeito ao desfecho do processo-crime, bem como o processo-crime não tem que ficar sujeito ao desfecho do processo disciplinar.
2 – A suspensão imediata e a perda imediata de um sexto de vencimento, implica, a meu ver, uma sanção disciplinar imediata ao agente, que vê assim posto em causa a sua vida profissional e pessoal, relativamente a uma eventual progressão/melhoria de carreira e reduzindo o rendimento familiar, que deverá dificultar muito o dia-a-dia do agregado familiar.
Ora a norma aqui em discussão contraria o disposto no  Artº. 32/2 CRP, que estipula o princípio da presunção de inocência, afirmando que todo o arguido será considerado inocente até trânsito em julgado da sentença de condenação. Mas neste caso ele já está a ser punido imediatamente, logo não há nenhuma presunção de inocência.
3 – Outro dos pontos que queria deixar em discussão é: o facto de o agente ficar a aguardar pela decisão final do tribunal. Como bem se sabe há julgamentos que demoram anos e anos. Será que é legítimo impor uma medida sancionatória sem fim determinado? Onde está o princípio da segurança jurídica dessa norma? De que forma pode o funcionário nortear-se perante uma norma dessas? Note-se bem que não está em causa o despacho final, ou seja que o arguido seja declarado inocente ou culpado. E se for declarado inocente, após ter estado 5 anos suspenso de funções? Poderá de facto ser indemnizado, pela perda de uma parte do seu vencimento, mas e relativamente a sua vida profissional? Os concursos perdidos?
4 – Como referido no Artº. 32/10 da CRP, são assegurados aos arguidos os direitos de audiência e de defesa. Porém neste caso prevê-se que, caso o arguido queira pedir a abertura de instrução, fica vinculado ao seu despacho e no caso de lhe ser desfavorável irá ser sancionado. E se não pedir a abertura de instrução ficará a aguardar, sem qualquer sanção, pelo despacho final do processo.
O despacho de pronúncia deve ser sustentado em indícios suficientes para, no entender do juiz que se pronuncia, o caso em concreto seja levado ou não a julgamento, para apuramento da verdade dos factos. Portanto não é uma presunção de culpa dos agentes.
Ora mais uma vez se verifica que o agente da PSP poderá ser sancionado ao fazer prevalecer um direito constitucional que lhes assiste. Põe em causa um direito de defesa dos arguidos. Será o mesmo que dizer: “fica mas é caladinho que é melhor para ti”!!!
5 – outro principio constitucional, que poderá estar em causa, é o principio da igualdade. Face ao artº. 13/1 e 2, ninguém pode ser prejudicado pelo facto de desempenhar determinadas funções ( pois deve-se fazer-se uma interpretação restritiva, o legislador queria dizer mais do que disse). Ainda que as forças de seguranças serem consideradas de estatuto especial, isto não impõe que sejam limitadas nos seus direitos constitucionais. Ora se analisarmos o estatuto da função pública (ED/FP/2008), verifica-se que no seu antigo regime havia uma norma que instituía a mesma sanção, contudo a pós a sua revisão ela deixou de fazer parte do normativo, conduta que não ocorreu na PSP.
Face ao disposto verifica-se que apenas aos agentes da PSP ou seja, apenas a esses funcionários públicos, se aplica esta medida, contrariando claramente o princípio da igualdade.
6 – Outros dos critérios que, a meu ver, poderão estar em causa, são os de adequação e proporção, isso é: é indiferente que o agente seja suspeito de ter cometido um crime, cuja moldura penal seja 3 anos e uns meses, ou que o mesmo seja suspeito de ter cometido dez ou mais crimes, cuja moldura penal atinga os 25 anos.
 A entidade administrativa, no uso do seu poder discriminatório, deveria, após análise do caso em concreto, nomeadamente face a sua gravidade, censura social, ter autonomia para aplicar ou não esta medida e não sujeitar um agente, que actuou em situações de necessidade ou em defesa de um terceiro/ pessoal/social/institucional a mesma sanção.
7 – por fim no seguimento do ponto anterior deixar também em aberto a discussão face ao principio da proporcionalidade, nomeadamente no ponto da necessidade. Será de facto esse o meio mais apropriado que a administração tem em seu poder e menos lesivo para o funcionário? Como se sabe há outros meios sancionatórios, como repreensão oral ou escrita, aplicação de dias de multas e suspensão de funções por tempo determinado.
Ora, no caso em apreço a administração decide impor, de imediato, uma sanção extremamente prejudicial e coactiva, quer seja na vida profissional, quer seja na vida pessoal, desse funcionário.
Face ao descrito e da minha precária análise, prevejo que estão aqui em causa:

Princípio da presunção de inocência
Princípio de igualdade
Princípio da adequação e proporção
Princípio da igualdade

Bibliografia : MARCELO REBELO DE SOUSA/ANDRÉ SALGADO DE MATOS,
Direito Administrativo Geral, Tomo III, 2ª Edição

Manuel Castro
24680

Subturma 1

Sem comentários:

Enviar um comentário