INCONSTITUCIONALIDADE DE UM ACTO ADMINISTRATIVO
Os agentes da PSP estão subordinados à Lei 7/90, de 20 de
Janeiro, que instituiu o Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança
Pública.
O seu artigo 38 tem o seguinte normativo:
“Artigo 38. Efeitos da pronúncia. 1 - O despacho de pronúncia ou
equivalente com trânsito em julgado em processo penal por infração a que corresponda
pena de prisão superior a três anos determina a suspensão de funções e a perda
de um sexto do vencimento base até à decisão final absolutória, ainda que não
transitada em julgado, ou até à decisão final condenatória. 2 -
Independentemente da forma do processo e da moldura da pena prevista, o
disposto no número anterior é aplicável no caso de crimes contra o Estado. 3 -
Dentro de 24 horas após o trânsito em julgado do despacho de pronúncia ou
equivalente, a secretaria do tribunal por onde correr o processo deve entregar,
por termo nos autos, certidão daquele ao Ministério Público, a fim de ser
remetida de imediato ao Comando-Geral da Polícia de Segurança Pública. 4 - Os
magistrados judiciais e do Ministério Público devem velar pelo cumprimento do preceituado
no número anterior. 5 - A perda de um sexto do vencimento base será reparada no
caso de absolvição ou amnistia concedida antes da condenação, sem prejuízo do
eventual procedimento disciplinar.”
O que aqui se irá discutir é no nº1 do deste artigo, pois o
mesmo decreta que, depois de um despacho de pronúncia, deliberado por um Juiz
de Instrução ou equivalente, com transito em julgado, em processo penal por
infração a que corresponda pena de prisão superior a três anos, o agente
perderá, automaticamente, um sexto do vencimento e será suspenso de funções,
até decisão final absolutória ou condenatória, ainda que não transitada em
julgado.
Ora a meu ver esta norma está ferida de diversas
ilegalidades, nomeadamente:
1 - O processo disciplinar
e o processo crime são autónomos, correndo os seus tramites de forma diferentes.
Logo o processo disciplinar não tem que ficar sujeito ao desfecho do processo-crime,
bem como o processo-crime não tem que ficar sujeito ao desfecho do processo
disciplinar.
2 – A suspensão imediata e a perda imediata de um sexto de
vencimento, implica, a meu ver, uma sanção disciplinar imediata ao agente, que
vê assim posto em causa a sua vida profissional e pessoal, relativamente a uma
eventual progressão/melhoria de carreira e reduzindo o rendimento familiar, que
deverá dificultar muito o dia-a-dia do agregado familiar.
Ora a norma aqui em discussão contraria o disposto no Artº. 32/2 CRP, que estipula o princípio da presunção
de inocência, afirmando que todo o arguido será considerado inocente até trânsito
em julgado da sentença de condenação. Mas neste caso ele já está a ser punido
imediatamente, logo não há nenhuma presunção de inocência.
3 – Outro dos pontos que queria deixar em discussão é: o
facto de o agente ficar a aguardar pela decisão final do tribunal. Como bem se
sabe há julgamentos que demoram anos e anos. Será que é legítimo impor uma
medida sancionatória sem fim determinado? Onde está o princípio da segurança jurídica
dessa norma? De que forma pode o funcionário nortear-se perante uma norma
dessas? Note-se bem que não está em causa o despacho final, ou seja que o
arguido seja declarado inocente ou culpado. E se for declarado inocente, após
ter estado 5 anos suspenso de funções? Poderá de facto ser indemnizado, pela
perda de uma parte do seu vencimento, mas e relativamente a sua vida
profissional? Os concursos perdidos?
4 – Como referido no Artº. 32/10 da CRP, são assegurados aos
arguidos os direitos de audiência e de defesa. Porém neste caso prevê-se que, caso
o arguido queira pedir a abertura de instrução, fica vinculado ao seu despacho
e no caso de lhe ser desfavorável irá ser sancionado. E se não pedir a abertura
de instrução ficará a aguardar, sem qualquer sanção, pelo despacho final do processo.
O despacho de pronúncia deve ser sustentado em indícios suficientes
para, no entender do juiz que se pronuncia, o caso em concreto seja levado ou
não a julgamento, para apuramento da verdade dos factos. Portanto não é uma presunção
de culpa dos agentes.
Ora mais uma vez se verifica que o agente da PSP poderá ser
sancionado ao fazer prevalecer um direito constitucional que lhes assiste. Põe
em causa um direito de defesa dos arguidos. Será o mesmo que dizer: “fica mas é
caladinho que é melhor para ti”!!!
5 – outro principio constitucional, que poderá estar em
causa, é o principio da igualdade. Face ao artº. 13/1 e 2, ninguém pode ser
prejudicado pelo facto de desempenhar determinadas funções ( pois deve-se
fazer-se uma interpretação restritiva, o legislador queria dizer mais do que
disse). Ainda que as forças de seguranças serem consideradas de estatuto
especial, isto não impõe que sejam limitadas nos seus direitos constitucionais.
Ora se analisarmos o estatuto da função pública (ED/FP/2008), verifica-se que
no seu antigo regime havia uma norma que instituía a mesma sanção, contudo a
pós a sua revisão ela deixou de fazer parte do normativo, conduta que não
ocorreu na PSP.
Face ao disposto verifica-se que apenas aos agentes da PSP
ou seja, apenas a esses funcionários públicos, se aplica esta medida,
contrariando claramente o princípio da igualdade.
6 – Outros dos critérios que, a meu ver, poderão estar em
causa, são os de adequação e proporção, isso é: é indiferente que o agente seja
suspeito de ter cometido um crime, cuja moldura penal seja 3 anos e uns meses,
ou que o mesmo seja suspeito de ter cometido dez ou mais crimes, cuja moldura
penal atinga os 25 anos.
A entidade
administrativa, no uso do seu poder discriminatório, deveria, após análise do
caso em concreto, nomeadamente face a sua gravidade, censura social, ter
autonomia para aplicar ou não esta medida e não sujeitar um agente, que actuou
em situações de necessidade ou em defesa de um terceiro/ pessoal/social/institucional
a mesma sanção.
7 – por fim no seguimento do ponto anterior deixar também em
aberto a discussão face ao principio da proporcionalidade, nomeadamente no
ponto da necessidade. Será de facto esse o meio mais apropriado que a administração
tem em seu poder e menos lesivo para o funcionário? Como se sabe há outros
meios sancionatórios, como repreensão oral ou escrita, aplicação de dias de
multas e suspensão de funções por tempo determinado.
Ora, no caso em apreço a administração decide impor, de
imediato, uma sanção extremamente prejudicial e coactiva, quer seja na vida
profissional, quer seja na vida pessoal, desse funcionário.
Face ao descrito e da minha precária análise, prevejo que
estão aqui em causa:
Princípio da presunção de inocência
Princípio de igualdade
Princípio da adequação e proporção
Princípio da igualdade
Bibliografia : MARCELO REBELO DE SOUSA/ANDRÉ SALGADO DE
MATOS,
Direito Administrativo
Geral, Tomo III, 2ª Edição
Manuel Castro
24680
Subturma 1
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