Acto
ou Regulamento?
Este breve texto pretende, em traços
largos, esboçar algumas considerações acerca do conceito de acto administrativo
e de regulamento administrativo, uma vez que aquilo que os distingue não é
doutrinariamente unânime e que a adopção do critério diferenciador traz
consequências importantes. Tentar-se-à apresentar, muito resumidamente, a
opinião do Professor Marcelo Rebelo de Sousa, que foi escolhida, de entre as
várias existentes, por uma mera questão de facilidade no acesso à bibliografia.
O conceito de acto administrativo
vem definido no art.º 148º do CPA (antigo art.º 120º) como decisões tomadas no
exercício de poderes jurídico-administrativos que visam produzir efeitos
jurídicos externos numa situação individual e concreta. Todavia, tal como no regulamento, que
veremos de seguida, os seus elementos diferenciadores variam de autor para
autor.
É precisamente no aspecto relativo à
situação individual e concreta a que os actos dizem respeito que o Professor
Marcelo Rebelo de Sousa centra a distinção entre estes e os regulamentos. Para
o Professor, os efeitos que o acto administrativo visa produzir “têm
necessariamente por objecto uma situação individual e concreta, o que significa
que são determináveis, quer os destinatários do acto, quer as situações de
facto a que se aplica” (SOUSA, Marcelo e MATOS, André, Tomo II, p. 74).
Mesmo nos casos em que o Professor
Marcelo Rebelo de Sousa admite existirem problemas na qualificação dos actos,
para todos é encontrada uma solução: os actos colectivos, como a dissolução e
um órgão colegial, que visam um único
destinatário ao qual pertencem vários sujeitos, não deixam de ser um actos
individuais e por isso actos administrativos; os
actos plurais, que são conjuntos de actos com efeitos idênticos relativamente a
uma pluralidade de pessoas, como ilustra uma tarifa que fixa os preços da água
em vários municípios, também têm os seus destinatários não só determináveis,
mas determinados e, finalmente, os actos gerais (como a determinação para que
se apreenda um medicamento perigoso em todas as farmácias), dirigidos a
conjuntos inorgânicos de pessoas e delimitados por características genéricas,
são também, para o Professor, determináveis no contexto em que são praticados,
sendo os seus destinatários identificáveis com recurso a categorias genéricas -
seria, assim, possível identificar cada um deles, dirigindo uma ordem a cada um
deles (IDEM, pp. 74-76).
Para o Professor Marcelo Rebelo de
Sousa, os regulamentos, enquanto actos normativos emitidos por órgãos
administrativos no exercício da função administrativa; na medida em que tenham
eficácia externa vinculativa constituem fontes de direito e podem limitar-se a
complementar, desenvolver, executar ou concretizar actos legislativos
anteriores; mas também podem conter disciplinas normativas inovatórias, como
sucede paradigmaticamente com os regulamentos independentes e autónomos. Em
todo o caso, diz o Professor, não incorporam decisões essenciais para a
colectividade política, o que os aparta da lei. (SOUSA, Marcelo Rebelo de,
MATOS, André Salgado de, Tomo I, p. 62).
Defende o Professor Marcelo Rebelo
de Sousa, que o que diferencia um acto administrativo do regulamento
administrativo, definido no art.º 135º do CPA, enquanto norma jurídica geral
e abstrata que visa produzir efeitos jurídicos externos, é o facto dos seus
destinatários serem ou não determináveis.
Já outra Doutrina tem uma visão
diferente das razões que distinguem actos de regulamentos. O Professor Vasco
Pereira da Silva, por exemplo, defende
que é a generalidade o factor diferenciador e o Professor Mário Aroso de
Almeida que é a abstração que deve ser tida em consideração, sendo que se o
acto for abstrato, mas individual, estamos perante um regulamento e, pelo
contrário, se um acto for geral, mas concreto, estamos perante um acto
administrativo.
A primeira vez que os tribunais
portugueses se confrontaram com a problemática dos actos gerais foi a propósito
de um despacho do governo, segundo o qual todos os produtores de leite da
Madeira se deveriam agrupar numa única entidade produtora. O Supremo Tribunal
Administrativo decidiu, tal como defenderia o Professor Marcelo Rebelo de
Sousa, que se estava perante uma pluralidade de actos administrativos
(individuais e concretos), uma vez que os seus destinatários eram passíveis de
serem determinados, i.e., individualizados. Todavia, nem toda a Doutrina
concordou com esta decisão. O Professor Freitas do Amaral, por exemplo,
considerou que se estava perante um regulamento, uma vez que o carácter
normativo deste despacho não divergia do conteúdo possível de uma lei aplicável
a eventuais futuros produtores (generalidade e abstração).
De acordo com a opinião do Professor
Freitas do Amaral, a diferença entre regulamento e acto está na utilização ou
não de categorias universais, respectivamente. Mais tarde, um Acórdão de 1999
do Supremo Tribunal Administrativo, parece ter aderido à tese deste Professor,
ao considerar que não é admissível o uso de categorias abstractas quando
estamos perante um acto administrativo.
Marta
Loureiro
19422
PAN 1
Bibliografia
FONSECA, Rui
Guerra da (Organização), Código do Procedimento Administrativo, Versão
Comparada 1991-2015, AAFDL, 2015
SOUSA, Marcelo
Rebelo de, MATOS, André Salgado de, Direito Administrativo Geral, Actividade
Administrativa, Tomo III, Dom Quixote, 2007
SOUSA, Marcelo
Rebelo de, MATOS, André Salgado de, Direito Administrativo Geral, Introdução
e Princípios Fundamentais, Tomo I, Dom Quixote, 2004
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