quinta-feira, 14 de maio de 2015

Acto ou Regulamento?


Acto ou Regulamento?

            Este breve texto pretende, em traços largos, esboçar algumas considerações acerca do conceito de acto administrativo e de regulamento administrativo, uma vez que aquilo que os distingue não é doutrinariamente unânime e que a adopção do critério diferenciador traz consequências importantes. Tentar-se-à apresentar, muito resumidamente, a opinião do Professor Marcelo Rebelo de Sousa, que foi escolhida, de entre as várias existentes, por uma mera questão de facilidade no acesso à bibliografia.
            O conceito de acto administrativo vem definido no art.º 148º do CPA (antigo art.º 120º) como decisões tomadas no exercício de poderes jurídico-administrativos que visam produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual e concreta. Todavia, tal como no regulamento, que veremos de seguida, os seus elementos diferenciadores variam de autor para autor.
            É precisamente no aspecto relativo à situação individual e concreta a que os actos dizem respeito que o Professor Marcelo Rebelo de Sousa centra a distinção entre estes e os regulamentos. Para o Professor, os efeitos que o acto administrativo visa produzir “têm necessariamente por objecto uma situação individual e concreta, o que significa que são determináveis, quer os destinatários do acto, quer as situações de facto a que se aplica” (SOUSA, Marcelo e MATOS, André, Tomo II, p. 74).
            Mesmo nos casos em que o Professor Marcelo Rebelo de Sousa admite existirem problemas na qualificação dos actos, para todos é encontrada uma solução: os actos colectivos, como a dissolução e um órgão colegial,  que visam um único destinatário ao qual pertencem vários sujeitos, não deixam de ser um actos individuais e por isso actos administrativos; os actos plurais, que são conjuntos de actos com efeitos idênticos relativamente a uma pluralidade de pessoas, como ilustra uma tarifa que fixa os preços da água em vários municípios, também têm os seus destinatários não só determináveis, mas determinados e, finalmente, os actos gerais (como a determinação para que se apreenda um medicamento perigoso em todas as farmácias), dirigidos a conjuntos inorgânicos de pessoas e delimitados por características genéricas, são também, para o Professor, determináveis no contexto em que são praticados, sendo os seus destinatários identificáveis com recurso a categorias genéricas - seria, assim, possível identificar cada um deles, dirigindo uma ordem a cada um deles (IDEM, pp. 74-76).
            Para o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, os regulamentos, enquanto actos normativos emitidos por órgãos administrativos no exercício da função administrativa; na medida em que tenham eficácia externa vinculativa constituem fontes de direito e podem limitar-se a complementar, desenvolver, executar ou concretizar actos legislativos anteriores; mas também podem conter disciplinas normativas inovatórias, como sucede paradigmaticamente com os regulamentos independentes e autónomos. Em todo o caso, diz o Professor, não incorporam decisões essenciais para a colectividade política, o que os aparta da lei. (SOUSA, Marcelo Rebelo de, MATOS, André Salgado de, Tomo I, p. 62).
            Defende o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, que o que diferencia um acto administrativo do regulamento administrativo, definido no art.º 135º do CPA, enquanto norma jurídica geral e abstrata que visa produzir efeitos jurídicos externos, é o facto dos seus destinatários serem ou não determináveis.
            Já outra Doutrina tem uma visão diferente das razões que distinguem actos de regulamentos. O Professor Vasco Pereira da Silva, por exemplo,  defende que é a generalidade o factor diferenciador e o Professor Mário Aroso de Almeida que é a abstração que deve ser tida em consideração, sendo que se o acto for abstrato, mas individual, estamos perante um regulamento e, pelo contrário, se um acto for geral, mas concreto, estamos perante um acto administrativo.
            A primeira vez que os tribunais portugueses se confrontaram com a problemática dos actos gerais foi a propósito de um despacho do governo, segundo o qual todos os produtores de leite da Madeira se deveriam agrupar numa única entidade produtora. O Supremo Tribunal Administrativo decidiu, tal como defenderia o Professor Marcelo Rebelo de Sousa, que se estava perante uma pluralidade de actos administrativos (individuais e concretos), uma vez que os seus destinatários eram passíveis de serem determinados, i.e., individualizados. Todavia, nem toda a Doutrina concordou com esta decisão. O Professor Freitas do Amaral, por exemplo, considerou que se estava perante um regulamento, uma vez que o carácter normativo deste despacho não divergia do conteúdo possível de uma lei aplicável a eventuais futuros produtores (generalidade e abstração).
            De acordo com a opinião do Professor Freitas do Amaral, a diferença entre regulamento e acto está na utilização ou não de categorias universais, respectivamente. Mais tarde, um Acórdão de 1999 do Supremo Tribunal Administrativo, parece ter aderido à tese deste Professor, ao considerar que não é admissível o uso de categorias abstractas quando estamos perante um acto administrativo.
           
            Marta Loureiro
19422
PAN 1
           

Bibliografia

FONSECA, Rui Guerra da (Organização), Código do Procedimento Administrativo, Versão Comparada 1991-2015, AAFDL, 2015

SOUSA, Marcelo Rebelo de, MATOS, André Salgado de, Direito Administrativo Geral, Actividade Administrativa, Tomo III, Dom Quixote, 2007

SOUSA, Marcelo Rebelo de, MATOS, André Salgado de, Direito Administrativo Geral, Introdução e Princípios Fundamentais, Tomo I, Dom Quixote, 2004





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