De acordo com MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, o
princípio concretizador do Estado de Direito que exprime a subordinação da
Administração Pública é o princípio da legalidade. Esta doutrina, bem como outros autores também,
analisa o princípio da legalidade administrativa principalmente em duas
dimensões:
- A dimensão de preferência de lei que veda à
Administração que contrarie o Direito vigente;
- A dimensão de reserva de lei que exige que a
atuação da Administração, mesmo que não contrária ao Direito vigente, tenha por
fundamento uma norma jurídica à qual está reservada a definição primária das
atuações possíveis a adotar pela Administração.
No entanto, a discussão do princípio da legalidade
administrativa é um assunto já muito trabalhado pela doutrina pelo que a
abordagem deste assunto, na sua aceção clássica, seria um mero exercício de
reprodução. No âmbito da legalidade, ou melhor dizendo, da juridicidade que
vincula a atuação da Administração interessa-nos aqui antes explorar um aspeto
muito particular, a saber: até que ponto as normas de DIP convencional
(tratados/convenções) poderão vincular diretamente a Administração Pública?
O n.º 2, do art.º 8º, da CRP, estabelece um regime
de receção automática das normas de DIP convencional. No entanto, estabelecem-se
condições:
-
Os tratados
ou os acordos internacionais têm que ter sido aprovados nos termos da CRP – são
aprovados exclusivamente pela AR os tratados e acordos que versem sobre
matérias da sua competência legislativa exclusiva, nos termos da alínea i), do
art.º 161º, da CRP, e, os acordos internacionais sobre as matérias
politicamente mais relevantes, referidas exemplificativamente na alínea i), do
art.º 161º, da CRP. Cabe ao Governo aprovar os acordos internacionais previstos
na alínea c), do n.º 1, do art.º 197º, da CRP.
-
Os tratados
têm que ser ratificados pelo PR, conforme se dispõe na alínea b), do art.º
135º, da CRP – que neste caso, de acordo com o art.º 140º, da CRP, carecem de
referenda ministerial, sob pena de inexistência jurídica.
-
No caso dos
acordos internacionais, os instrumentos de aprovação – que podem ser decretos
do Governo ou resoluções da AR – carecem, de acordo com a alínea b), do art.º
134º, da CRP, de assinatura do PR.
-
Segundo o
disposto no n.º 2, do art.º 8º, da CRP, as normas de DIP convencional têm que
ter sido oficialmente publicadas.
-
Por fim,
segundo a parte final do n.º 2, do art.º 8º, da CRP, as normas de DIP
convencional têm que vincular efetivamente o Estado Português no plano
internacional.
Preenchidas
todas estas condições, as normas de DIP convencional vigoram na ordem jurídica
nacional sem necessidade de tradução
ou transcrição por ato legislativo
nacional, constituindo fontes autónomas
de Direito interno.
Privilegia-se a perspetiva do Direito interno pois
é essa perspetiva que interessa adotar para determinar se as normas de DIP
convencional poderão vincular diretamente a Administração Pública. Isto é, não
sendo a constitucionalidade do processo de formação de uma convenção
internacional uma condição de validade para a ordem internacional, é-a para a receção no ordenamento jurídico
português das normas dessas convenções internacionais. Uma vez recebidas, as normas de DIP convencional,
têm um valor hierárquico-normativo
infraconstitucional.
Já quanto às relações entre as normas de DIP
convencional e a lei existe uma profunda discussão doutrinária. PAULO OTERO entende
que as normas de DIP convencional ocupam, em termos de hierarquia nas fontes de
Direito, uma posição intermédia entre a CRP e a lei, mas há, em contraposição uma doutrina maioritária que entende que as normas de DIP convencional gozam
valor hierárquico igual aos atos legislativos internos. A adoção de uma ou de
outra posição tem consequências práticas importantes, no entanto, essa
discussão, por muito relevante que seja, não adianta muito na direção do
objetivo aqui traçado.
O que importa é que se tem que reconhecer que
atualmente a função administrativa está subordinada a uma juridicidade que
já não é redutível a uma legalidade que se circunscreve apenas a uma realidade estadual e que essa juridicidade compreende, designadamente, o Direito Internacional
em geral e o Direito Internacional convencional, em especial.
Bibliografia:
-PAULO OTERO, Legalidade e
Administração Pública – O Sentido da Vinculação Administrativa à Juridicidade,
Almedina, Coimbra, 2003.
-MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ
SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo
Geral, Introdução e Princípios Fundamentais, Tomo I, Dom Quixote, Alfragide
3ª edição, 2008.
-GOMES CANOTILHO
e VITAL MOREIRA, Constituição da
República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 4ª edição, 2007.
-SÉRVULO
CORREIA, Legalidade e Autonomia
Contratual nos Contratos Administrativos, Almedina, Coimbra, 1987.
Bernardo de Matos (nº24004)
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