segunda-feira, 11 de maio de 2015

DIP no âmbito da Administração Pública


De acordo com MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, o princípio concretizador do Estado de Direito que exprime a subordinação da Administração Pública é o princípio da legalidade. Esta doutrina, bem como outros autores também, analisa o princípio da legalidade administrativa principalmente em duas dimensões:
-     A dimensão de preferência de lei que veda à Administração que contrarie o Direito vigente;
-  A dimensão de reserva de lei que exige que a atuação da Administração, mesmo que não contrária ao Direito vigente, tenha por fundamento uma norma jurídica à qual está reservada a definição primária das atuações possíveis a adotar pela Administração.
No entanto, a discussão do princípio da legalidade administrativa é um assunto já muito trabalhado pela doutrina pelo que a abordagem deste assunto, na sua aceção clássica, seria um mero exercício de reprodução. No âmbito da legalidade, ou melhor dizendo, da juridicidade que vincula a atuação da Administração interessa-nos aqui antes explorar um aspeto muito particular, a saber: até que ponto as normas de DIP convencional (tratados/convenções) poderão vincular diretamente a Administração Pública?
O n.º 2, do art.º 8º, da CRP, estabelece um regime de receção automática das normas de DIP convencional. No entanto, estabelecem-se condições:
-        Os tratados ou os acordos internacionais têm que ter sido aprovados nos termos da CRP – são aprovados exclusivamente pela AR os tratados e acordos que versem sobre matérias da sua competência legislativa exclusiva, nos termos da alínea i), do art.º 161º, da CRP, e, os acordos internacionais sobre as matérias politicamente mais relevantes, referidas exemplificativamente na alínea i), do art.º 161º, da CRP. Cabe ao Governo aprovar os acordos internacionais previstos na alínea c), do n.º 1, do art.º 197º, da CRP.
-        Os tratados têm que ser ratificados pelo PR, conforme se dispõe na alínea b), do art.º 135º, da CRP – que neste caso, de acordo com o art.º 140º, da CRP, carecem de referenda ministerial, sob pena de inexistência jurídica.
-        No caso dos acordos internacionais, os instrumentos de aprovação – que podem ser decretos do Governo ou resoluções da AR – carecem, de acordo com a alínea b), do art.º 134º, da CRP, de assinatura do PR.
-        Segundo o disposto no n.º 2, do art.º 8º, da CRP, as normas de DIP convencional têm que ter sido oficialmente publicadas.
-        Por fim, segundo a parte final do n.º 2, do art.º 8º, da CRP, as normas de DIP convencional têm que vincular efetivamente o Estado Português no plano internacional.
Preenchidas todas estas condições, as normas de DIP convencional vigoram na ordem jurídica nacional sem necessidade de tradução ou transcrição por ato legislativo nacional, constituindo fontes autónomas de Direito interno.
Privilegia-se a perspetiva do Direito interno pois é essa perspetiva que interessa adotar para determinar se as normas de DIP convencional poderão vincular diretamente a Administração Pública. Isto é, não sendo a constitucionalidade do processo de formação de uma convenção internacional uma condição de validade para a ordem internacional, é-a para a receção no ordenamento jurídico português das normas dessas convenções internacionais. Uma vez recebidas, as normas de DIP convencional, têm um valor hierárquico-normativo infraconstitucional.
Já quanto às relações entre as normas de DIP convencional e a lei existe uma profunda discussão doutrinária. PAULO OTERO entende que as normas de DIP convencional ocupam, em termos de hierarquia nas fontes de Direito, uma posição intermédia entre a CRP e a lei, mas há, em contraposição uma doutrina maioritária que entende que as normas de DIP convencional gozam valor hierárquico igual aos atos legislativos internos. A adoção de uma ou de outra posição tem consequências práticas importantes, no entanto, essa discussão, por muito relevante que seja, não adianta muito na direção do objetivo aqui traçado.
O que importa é que se tem que reconhecer que atualmente a função administrativa está subordinada a uma juridicidade que já não é redutível a uma legalidade que se circunscreve apenas a uma realidade estadual e que essa juridicidade compreende, designadamente, o Direito Internacional em geral e o Direito Internacional convencional, em especial.

Bibliografia:
-PAULO OTERO, Legalidade e Administração Pública – O Sentido da Vinculação Administrativa à Juridicidade, Almedina, Coimbra, 2003.

-MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo Geral, Introdução e Princípios Fundamentais, Tomo I, Dom Quixote, Alfragide 3ª edição, 2008.

-GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 4ª edição, 2007.
-SÉRVULO CORREIA, Legalidade e Autonomia Contratual nos Contratos Administrativos, Almedina, Coimbra, 1987.


Bernardo de Matos (nº24004)


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