Relativamente à aplicação do
Direito privado à Administração Pública, PAULO OTERO identifica três momentos históricos.
Num primeiro momento a
Administração Pública surge subordinada ao Direito comum, surgindo o Direito
administrativo como uma “fuga” àquele regime de tratamento igualitário das
partes. O Direito administrativo permite soluções normativas que permitem à
Administração Pública surgir, nas relações com os privados, investida de
prerrogativas especiais de autoridade. Porém, a “outra face” do Direito
administrativo são as vinculações aos princípios jurídico-públicos, mormente, o
princípio da legalidade.
O princípio da legalidade, como expressão
da tentativa histórica do parlamentarismo liberal proteger as liberdades e a
propriedade, desde cedo começou a desenvolver-se e a complexificar-se,
tornando-se rapidamente num verdadeiro “espartilho” para a Administração
Pública – especialmente com a transformação do Estado liberal em Estado social.
Aliás, o surgimento do Estado social, com o correspondente alargamento e
complexificação das atividades da Administração Pública, teve como consequência
a expansão do Direito administrativo para zonas tidas anteriormente como sendo
do Direito privado,
assistindo-se simultaneamente a uma expansão da legalidade que vincula a
atuação da Administração Pública.
Num segundo momento, procurando
iludir os vínculos legais da sua atuação, a Administração Pública opera uma
“fuga” de volta para o Direito privado.
Num terceiro momento – o atual –
assiste-se a um fenómeno de “privatização” da própria Administração Pública.
Fenómeno que também levanta complexas questões, como designadamente, de aplicação
de normas de Direito privado ou de Direito administrativo a entidades de
Direito privado que organicamente fazem parte da Administração Pública.
Porém, a questão que agora nos
interessa é especialmente a seguinte: estando a Administração, por força do
princípio da legalidade e do princípio da prossecução do interesse público,
vinculada na sua atuação – mesmo quando atua no âmbito da margem de livre
decisão administrativa –, será que o Direito privado, quando aplicado à
Administração, resulta num regime idêntico ao que seria aplicável a um privado?
A resposta parece-nos ser
negativa. A este respeito é muito elucidadora a posição de MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS quando,
a propósito dos contratos de Direito privado da Administração pública defendem
que devido a o Direito administrativo ser o Direito comum da função
administrativa, as normas de Direito privado, quando aplicadas à atividade da
Administração Pública têm que ser
teleológica e sistematicamente mediadas pelos princípios e regras do Direito
administrativo. Por aquela razão, continuam defendendo
estes AUTORES, o
regime aplicável a um contrato da Administração Pública, mesmo se se fundasse
totalmente em normas de Direito privado, nunca teria o mesmo regime aplicável a um contrato com o mesmo objeto entre privados.
Bibliografia:
-PAULO OTERO, Legalidade e
Administração Pública – O Sentido da Vinculação Administrativa à Juridicidade,
Almedina, Coimbra, 2003.
-MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ
SALGADO DE MATOS, Direito Administrativo
Geral, Introdução e Princípios Fundamentais, Tomo I, Dom Quixote, Alfragide
3ª edição, 2008.
-MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, Contratos Públicos, Direito Administrativo Geral, Tomo III, Dom Quixote, Alfragide 2ª edição, 2009.
Bernardo de Matos (nº24004)
Bernardo de Matos (nº24004)
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